Onze filmes que tratam sobre a vida de pintores

Por Javier Bilbao


cena de Sede de viver, filme sobre a vida de Van Gogh


Talvez não soe um tal Ricciotto Canudo, mas seguramente terão escutado numa infinidade de ocasiões a expressão “sétima arte”. Pois bem, foi este crítico italiano quem criou o termo em 1911 com seu Manifesto das sete artes. Pintura, música, escultura, arquitetura, dança e literatura – essas eram as artes que o cânone ocidental havia distinguido tradicionalmente e com um olfato bastante aguçado Canudo viu precocemente que o cinema estava destinado a unir-se a elas. Mas não uma a mais, mas englobando-as. “Necessitamos do cinema para criar a arte total o que, desde sempre, teve todas as artes. A Sétima Arte concilia desta forma todas as demais”.

Não era nada demais o que planejava. Finalmente o cinema incluiu a música e desde então suas origens e raro é o filme que não precisa de uma trilha sonora; a dança ganhou presença a todo um gênero que com La La Land parece revitalizar-se e não obra literária minimamente relevante que não tenha sido adaptada para a grande tela. Da mesma maneira o cinema tem se aproveitado da beleza da arquitetura e da escultura se lembrarmos a diversidade de filmes que retrataram Nova York e sua Estátua da Liberdade – para citar apenas um exemplo. E o que dizer da pintura, se o próprio Canudo chamava os filmes “quadros em movimento”.

Os grandes artistas da pintura experimentaram e aprofundaram durante séculos suas percepções acerca da iluminação, da perspectiva, da postura em cena, da forma de expressar uma história apenas com imagens e ao chegar ao século XX os cineastas e diretores de fotografia roubaram esse diverso conhecimento sem o melhor reparo. Desde John Huston até David Lynch muitos diretores têm sido pintores e inclusive pintores destacados como Renoir tiveram filhos cineastas igualmente celebrados, como se isso fosse mesmo sua evolução natural.

Então, não é de estranhar que um grande número de pintores tenham ganhado uma biografia no cinema. A mais recente foi Cézanne e eu. E agora já citamos outros títulos memoráveis.

Painted fire, 2002. Jang Seung-eop é um aclamado pintor coreano do século XIX sobre o qual não tínhamos a mais remota ideia de sua existência até que este filme o deu a conhecer fora de suas fronteiras. A narrativa conta como começou sendo um menino órfão até ser adotado por um consumado pintor que lhe ensina todos os segredos de sua arte. A julgar pelo que vemos, no Oriente todos os mestres – sejam na pintura ou nas artes marciais – ensinam com a mesma solenidade e recorrem sempre à filosofia Zen: “numa pincelada há dez mil pinceladas, em dez mil pinceladas há uma pincelada”; “vê além da forma e pinta o significado”; “pega o pincel como se fosse um ovo, entre teus cinco dedos, e então a força vital percorrerá teu braço, de teu braço para tua mão, de tua mão para o pincel”. Uma curiosidade: o ator principal protagonizou um ano depois Old boy: dias de vingança.

Sede de viver, 1956. Um dos maiores mistérios policiais vistos envolvendo a história da arte, depois da morte de Pier Paolo Pasolini e do roubou da Monalisa, é talvez o de quem cortou a orelha de Van Gogh. Esta biografia se apropria da explicação até o momento oficial, a de que foi o próprio pintor num arrebatamento de loucura, embora já se considere que muito teve a ver com ele e seu amigo rival Paul Gauguin, que aqui foi encarnado por Anthony Quinn numa interpretação pela qual ganhou um Oscar. Mas além desse detalhe, o filme é muito fiel com a figura do artista cuja vida oscilou entre a devoção religiosa, o amor não correspondido, a instabilidade mental e a imperiosa necessidade de se expressar num estilo artístico genuinamente próprio.

Andrei Rublev, 1966. Nascido na segunda metade do século XIV, o pintor que dá título a este filme é o mais destacado gravurista russo, embora pouco seja conhecido de sua vida. Andrei Tarkovski encontrou nesse vazia uma oportunidade para dar asas à sua criatividade, de maneira que entre as cenas carregadas de lirismo com cavalos correndo livremente nos apresenta numa narrativa de mais três horas personagens que mergulham em longas elucubrações sobre a moral, a religião ou a arte. O resultado foi satisfatório inclusive para os críticos mais implacáveis. Um filme ideal para aqueles esteja mais interessado na arte sacra que em super-heróis.



Carrington: dias de paixão, 1995. O Círculo de Bloomsbury é muito fotogênico tanto pela relevância artística e intelectual de seus membros como pela época (contra) que viveram e pela irreverência de suas personalidades e ideais. Cinema de taças com aspirações. Dora Carrington não fez parte do núcleo irradiador mas teve sim uma longo e estreito vínculo com Lytton Strachey, e essa singular relação que marcou ambos é o centro de interesse deste filme.

Moulin Rouge, 1952. Poderia se dizer algo similar ao filme anterior sobre este filme de John Huston, apesar de que a época se distancie em poucos anos e círculos parisienses retratados se inclinassem mais do lado boêmio. O protagonista, Toulouse-Lautrec, frequentava com devoção esse hábitat em torno do célebre cabaré do bairro vermelho, embora ao mesmo tempo fosse capaz de observá-lo com a distância e a sutileza de quem intimamente sabia que não se encaixava em nenhuma parte.

Meu pé esquerdo, 1989. Muitos artistas e escritores estiveram marcados por alguma deficiência física ou psíquica, talvez por isso eles tenham visto o mundo de um ângulo original ou tenham sido impulsionados a encontrar um meio através do qual pudessem se expressar, onde pudessem reencontrar consigo. Em qualquer caso, os cineastas têm se interessado em retratar suas vidas, mostrando-nos das enormes dificuldades que os afrontaram ao reconhecimento profissional que obtiveram. É o caso de Christy Brownrit, pintor e poeta afetado por uma paralisia cerebral, cuja autobiografia foi adaptada para o cinema e permitiu a Daniel Day-Lewus ganhar o primeiro de seus três Oscar.

Sombras de Goya, 2006. Não há dúvida de que a surdez de Goya contribuiu para esse tormento interior que expressou tão bem em suas pinturas obscuras. A outra grande influência foram as excepcionais circunstâncias históricas nas quais viveu. As duas atraíram a atenção de Milos Forman para uma cinebiografia que por azar não alcançou a grandeza de Amadeus embora tenham seu interesse. Curiosamente o quadro pela metade da pintura que vemos na imagem é muito questionado sobre sua verdadeira autoria.

O moinho e a cruz, 2011. Vejam esta maravilha. Talvez já a conheçam mas sempre é boa ocasião voltar a contemplar A queda dos anjos rebeldes, um quadro de alguém que aprendeu de Bosco e captou sua essência. Não é a única obra de Pieter Brueguel o Velho a se considerar; há ainda O triunfo da morte... E muitas e muitas conhecidas pinturas que deixou para a posteridade. Censo em Belém, Torre de Babel... Este filme de corte experimental pretende mostrar o mesmo detalhismo em suas imagens, o que não pode se dizer é que brilhe por seus diálogos. Poderíamos resumi-la em como é contemplar um quadro durante uma hora e meia.

Sr. Turner. J. M. W. Turner é considerado de forma unânime pelos britânicos como o melhor pintor do seu país, mas com todo o reconhecimento que recebeu desde jovem e até a atualidade, não entrou no Olimpo dos biografados até no ano de 2014, quando estreou este filme dirigido por Mike Leigh. Diversos historiadores e especialistas, entre eles o diretor da Galeria Nacional de Arte Britânica elogiou o caráter de fidelidade da obra com a vida e a época quando viveu Turner.



Modigliane: paixão pela vida, 2004. Em seus apenas trinta e cinco anos de vida Modigliani se dedicou ao álcool, às mulheres e à pintura, com grandes conquistas nos três âmbitos. Uma trajetória com semelhante aura romântica não é de estranhar que fosse levada ao cinema duas vezes, a mais recente com Andy García como protagonista. A outra foi dirigida por Jaques Becker, autor de um dos melhores filmes sobre fugas de presídio jamais rodados, A um passo da liberdade.

Os amores de Picasso, 1996. A turbulenta vida sexual de Pablo Picasso, sua imensa popularidade como artista e sua vida na Paris ocupada pelos nazistas pareciam um tema ideal para ser abordado, especialmente se se contava com ninguém menos que Anthony Hopkins para encarná-lo. Talvez o problema tenha estado em James Ivory, que é correto como diretor mas um tanto frio. Por outro lado, como se diz, poucas vidas resistem se são examinadas de perto e é o que se passa em muitos dos anteriormente mencionados. Por algum estranho motivo esperamos sempre de nossos artistas e autores favoritos que sua personalidade e qualidade moral estejam a altura de seu talento, algo que raras vezes acontece. Ao menos e sempre nos ficará sua obra.

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