Damião Nobre e sua trilha sonora literária

Por Thiago Gonzaga

Antes de qualquer coisa, música.
Paul Verlaine



Se existe um gênero literário que pode ser classificado quase que exclusivamente como de origem brasileira é a crônica. Deixando de lado o aspecto de erudição do ensaio ou a objetividade do artigo, a crônica nos relata assuntos cotidianos, principalmente de fatos mais pessoais, relacionando-os a contextos locais, como política, futebol, carnaval e música. Não é de admirar que, no Brasil, tenhamos  tantos cronistas ilustres como Machado de Assis,  Carlos Drummond de Andrade,  Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Luis Fernando Verissimo e  outros grandes nomes.

No Rio Grande do Norte, na seara da crônica, há uma tradição relativamente nova, se comparada, por exemplo, à poesia. Temos excelentes cronistas, como Newton Navarro, Berilo Wanderley, Dorian Jorge Freire, Manoel Onofre Jr, Vicente Serejo, Clotilde Tavares, Sanderson Negreiros e Woden Madruga, este último, um ícone da crônica potiguar, é o único, dos escritores citados, que não publicou em livro suas contempláveis crônicas.

Nos últimos anos tem surgido uma nova safra de bons livros de crônicas em terras potiguares, como as Cartas de Salamanca de David de Medeiros Leite, Guriatãs e Muçambês de Marcos Medeiros, Verão Veraneio de Carlos Fialho e Uma Garça no Asfalto de Clauder Arcanjo, são obras que fazem jus a essa tradição.

Agora, o escritor Damião Nobre publica seu mais novo livro de crônicas, que mantém a nossa tradição de qualidade nessa vertente literária. Radiola – Conversa de Música, publicado pela Editora Sarau das Letras é um livro simplesmente agradável , o terceiro do autor, que anteriormente já havia publicado Conversa de Médico, e Conversa de Mãe, com  crônicas conforme o titulo sugere.

Voltando à especificidade da crônica, entendemos que ela é, geralmente, um texto  para ser veiculado em jornais e revistas. Assim já se lhe determina vida curta; em alguns casos são datadas, em outros não; muitas permanecem atemporais, como é o caso das crônicas do livro de Damião. Percebemos, que há ocasiões  em que a crônica  é mais pessoal, às vezes, poética, às vezes, didática, às vezes, memorialística, bem-humorada, satírica ou irônica e, claro, sempre relacionada a fatos cotidianos. Esse gênero, que se afirmou no Brasil através dos jornais, hoje é difundido sobretudo em livros, blogs  e sites pela internet. Os grandes veículos continuam recorrendo à crônica para um contato mais próximo do leitor.

Existe uma linha muito tênue entre a crônica e o texto exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista se inspira nos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica. Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro. Após  acercar-se dos fatos cotidianos, o cronista dá-lhes um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como, humor, poesia, ficção, fantasia e criticismo, elementos  esses que os textos essencialmente informativos não contêm.

Com base nisso, podemos dizer que Radiola–Conversa de Música situa-se entre o jornalismo e a literatura, e o escritor Damião Nobre, na qualidade de bom cronista, pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia a dia, nesse caso mais especificamente, quando a temática é a música, assunto que ele domina. Damião Nobre dialoga com o leitor, fazendo jus ao subtítulo do seu livro, Conversa de Música. Isso faz com que a sua crônica desperte uma ampla gama de leitores atraídos pelo tema. Damião utiliza linguagem simples, espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária. Isso contribui também para que o leitor se identifique com o cronista, e se agrade de uma temática tão deleitosa.

Após a leitura do livro não temos dúvidas: Damião Nobre tem vocação para o gênero que pratica. Depois de Conversa de Medico e Conversa de Mãe, seus curtos e sintéticos textos  têm tudo aquilo que se pode esperar de uma excelente crônica.

O livro ora recomendado enfeixa textos que o autor publicou quando escrevia para a revista Papangu, com acréscimo de alguns que circularam em outros veículos e outra inédita. O livro é totalmente agradável, e o leitor que o abrir corre o sério risco de não querer parar a leitura enquanto não terminar de ler. São inúmeras as crônicas que merecem os mais altos elogios, como “Pobre música potiguar brasileira”, em que o autor discorre sobre os nossos poucos músicos que tiveram ascensão nacional. Em outra discorre sobre apelidos e pseudônimos usados na música. Por exemplo, Julinho de Adelaide. Você sabia que este foi um dos pseudônimos usados por Chico Buarque para driblar a censura?

Damião Nobre nos dá uma aula de cultura musical, com dados e informações muito relevantes; é nítido seu profundo conhecimento da área musical nas mais variadas vertentes, trata de assuntos desde Roberto Carlos, Chico Buarque, Caetano Veloso e Elis Regina, até Lindomar Castilho, Waldick Soriano, Altemar Dutra e Fernando Mendes, cantores considerados bregas, por sinal, termo que tem sua origem também explicada em outra crônica. No final, um texto emocionante sobre  importante compositor e musico potiguar, Elino Julião, cuja vida daria um roteiro de filme  hollywoodiano.

Radiola é um dos melhores livros publicados, este ano, no Rio Grande do Norte, vale a pena conferir.

Não foi à toa que o filósofo Friedrich Nietzsche  disse em uma das suas obras que  ‘”a vida sem música seria um erro”. Reafirmo complementando; sem literatura, também.

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