Quando o escritor é um sexy simbol

Por Miqui Otero


Pierce Brown. Exibir-se para ganhar leitores.

Disse J. D. Salinger que o que amava dos livros era fechá-los e imaginar que o autor poderia ser seu amigo. Gostava do romance se essa sensação lhe invadisse depois de lê-lo. Mas há muita gente que tem dito além disso: muitos desejariam tomar uma cerveja com seu escritor depois de uma visita à casa já quando vê sua foto na contracapa de um romance. Ao menos isso é que se passa na cabeça de Pierce Brown, um he-man dos escritores contemporâneos. Suas fotos corriqueiras no Instagram (com todos os acessórios do sedutor de seguidores digitais modernos: um cachorrinho, um gato, montanhas ao fundo, a pose de O pensador de Rodin, o olhar para o infinito, o sorriso pseudo-embromador mas desobediente largado com uma coroa de papelão num restaurante de fast-food) têm dado ao autor da saga Red Rising um artigo no portal Buzzfeed em que analisa seu perfil com esmero detalhe como quem fala de um parágrafo do Ulysses, de James Joyce.

O escritor assinou contrato com a Random House aos 23 anos e suas obras para jovens, desde então, têm gozado de um certo prestígio, mas são suas selfies o que alavanca sua popularidade; nas melhores poderia se passar por um substituto de Robert Pattinson em Crepúsculo se este fosse pego por uma gripe no primeiro dia de filmagem. Na pior das hipóteses seria um tipo daqueles que o substituiria em cenas mais pesadas. Dele já foi dito que não é suficiente apenas ter um  bom físico e êxito junto às letras. A mania dos meios de comunicação de se debruçar tanto sobre o interesse físico ainda levará todos à ruína. Se na cultura rápida a imagem é o principal, a literatura (sobretudo a juvenil) dever ser o refúgio onde esta não teria importância. À frente do jovem complexado por outros alunos de sua turma, como o leitor de A história sem fim. Uma fonte de consolo. Uma fonte de emoção pura sem mais prejuízos.

Karl Ove Knausgård

Mas nem por isso a narrativa adulta se vê livre deste efeito. O autor do momento, o norueguês Karl Ove Knausgård, foi apontado pela revista Elle de seu país como o homem mais sexy do ano. Algo que não teria demasiada importância se o autor de uma grande biografia em seis volumes (intitulada Minha Luta e publicada aqui pela Companhia das Letras) não tivesse se convertido num mundial.

Muitos artigos se perguntam a razão do êxito de uma proposta literária suicida; afinal a beleza física é algo passageiro. Ou não? Ainda assim, muitos deles dizem que seu corpo tem de estar associado como imagem promocional. Bem, The Wall Street Journal chegou a propor uma votação intitulada “Brad Pitt e Karl Ove Knausgård: separados no nascimento?” para enfatizar suas semelhanças e em quem os leitores deviam votar qual dos dois eles preferiam ter à beira de sua cama contando histórias para dormir. O resultado? Já sabem, não?

Mesmo alguém que se apresenta mais honestamente como Jonathan Franzen não teve problema em destacar há dois anos em The New Yorker que a pouca simpatia que despertava Edith Wharton era porque “não era bonita”. Machismo? 

Nell Freudenberger


A questão até é amena se a protagonista dessa história é uma mulher. Aconteceu há alguns anos com Nell Freudenberger. Aos 26 anos, The New Yorker publicou seu conto “Lucky girls”. O texto na ocasião passou despercebido, mas não sua aparência. Entre os comentários, o cauteloso ou o diretamente machista, foram muitos os que se animaram em perguntar quais as razões para dar a escritora tanto protagonismo. Um dos mais célebres foi o que publicou o portal Salom.com, com o título “Too young, too pretty, too succesful” que unia todos esses caracterizadores para pensar sobre a perspicácia inicial de uma mulher bonita que escrevia tão bem e sobre quem se renderia ante sua prosa (um grupo de amigos folheando a revista e buscando, entre cerveja e cerveja, razões, movidos pelo desejo, a inveja e admiração genuína).

As listas de autores mais bonitos aparecem com frequência na web e inclusive existem Tumblrs específicos sobre o assunto. No The Washington Post um autor aponta que sempre foi assim. Enquanto noutros dizem que beleza pode mesmo é jogar para o lado contrário, isto é de se levar a sério a obra. A beleza, analisam, numa ocasião dessas pode servir de chamariz, mas não seria um elemento definidor sobre aquilo que escreve. E mais atrapalha que ajuda. A aparência, afinal, é só uma superfície.

Paul Auster

Há alguns anos, a revista Canteen foi mais além e formulou, inclusive, uma espécie de manifesto acompanhado de fotos sensuais de alguns novos romancistas, no qual proclamava: “Os escritores têm perdido seu lugar como heróis culturais. Mas por que não podem ao menos competir com as estrelas do pop em seu território? Promovamos os escritores como sexy e fabulosos!” Esse pedido eufórico não seria muito difícil de rebater e, de fato, foi contestado como fúria em seu momento.

Embora regularmente sejam publicados ensaios sobre como ser bonito pode reverter em 12% a mais de vendas, um recente estudo da Universidade da Califórnia revela que isso pode se dar com qualquer um, o que  leva muitos a verem que ao menos no terreno literário isso de beleza não conte tanto. Assim, Paul Auster ou Joan Didion venderiam pelo que produzem e não pelo sua fotogenia.

A pose de Pierce Brown. Finge que lê, mas...

Nenhum dos críticos diz a sério que não se possa ser bonito e escrever, mas questionam seu uso com fins comerciais. A articulista de Flavorwire é apresentada numa das fotos destacadas por BuzzFeed e sob a imagem o texto “Gosto de ler!”; Pierce Brown aparece vestindo uma camiseta xadrez, de óculos, sob a luz tênue e lendo um livro. A jornalista Emily Temple anota: Pierce Brown está lendo seu próprio livro. E na verdade está apenas olhando um mapa. Há deixado a capa do livro sobre a mesa e aberta para que vejamos de forma pouco casual o que temos de comprar claramente. E sobre essa fotografia um óculos por alguma razão desconhecida, já que está usando um. O mundo da imagem é às vezes mais duro que o das letras. Resta ver até onde vai esse modismo.

*

1. O blog brasileiro Casmurros fez uma enquete em 2013 para saber quem seria a musa da literatura brasileira. Vejam aqui.

2. O Tumblr Tô gato cata poses sexy de escritor.

3. Mas, a beleza não é de hoje, confiram duas galerias: uma com sexy simbol masculinos e outra com sexy simbol femininos do passado. Aproveite para deixar seu palpite por lá.




* Este texto é uma tradução muito livre de "Cuando el escritor es um 'sexy simbol'" publicado no El País.

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