Ruy Belo



Enfim, o Brasil terá contato em definitivo com a obra de um dos expoentes da poesia contemporânea portuguesa. Já anunciamos – tem suas semanas – que a obra de Ruy Belo passa a ser editada em terras tupiniquim. De fato, alguns dos primeiros títulos já estão nas prateleiras das livrarias. Agora, a pergunta que há de rondar os que não conhecem a obra ou pouco a conhece é, quem de fato é este português. E qual sua dimensão literária.

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Bom, em termos de extensão, sua obra segue o fôlego dos escritores portugueses. Apesar de ter morrido precocemente: em 1978, quando só tinha 45 anos, deixou grande leva de livros de poesia e crítica. Deste último gênero, grande parte está compilado na antologia de textos Na senda da poesia; gênero, aliás, lido pela crítica como uma atividade de esclarecimento do ofício poético, na esteira do que fizeram Ezra Pound, T. S. Eliot, entre outros. O trabalho de Belo, nessa seara não finda, entretanto, nessa fronteira. Há uma necessidade igualmente poética – porque tudo depende do modo como poeta se manifesta – que é a instrução e conscientização – movimento simultâneo entre o eu poeta e eu crítico – acerca do ofício e da natureza da poesia: a poesia, como bem terá definido Leonardo Gandolfi, como um ideal de comunhão humana.

Parece ser, apenas estes termos postos em destaque, suficiente para dizer da amplitude de sua dimensão literária; porque o poeta há de estar constantemente imbuído do gesto poético e dizer não apenas da poesia para o mundo – ainda que a poesia não mereça tantas explicações – mas sobre o seu papel no mundo. Ainda mais quando estamos diante de uma situação em que a chama que sustém o espírito poético é cada vez mais ameaçada de fim pelos fortes ventos de toda sorte soprados dos estranhos lugares que a sociedade tem tomado desde que uma corruptela cindiu o homem de sua comunhão com a natureza. Ruy Belo não quis apenas ver uma crise e dar às costas para ela. Concebeu esse instante como um monstro e lutou com ele com as armas devidas: a palavra.



Formado em Direito, já no período de seu curso em Coimbra era membro da seita Opus Dei. A proximidade com esse universo certamente o levou a ir para Roma cursar doutorado em Direito Canônico. Concluiu o curso pela Universidade de São Tomás de Aquino com tese entre dois territórios em tensão – Ficção literária e censura eclesiástica, título que permanece inédito. Depois de retornar a Portugal, fez vários trabalhos no campo editorial; depois entrou para a Faculdade de Letras de Lisboa e foi bolsista da Fundação Calouste Gulbenkian. Essa nova fase da vida do poeta marcou também pelo abandono da seita e a investidura na carreira de pesquisador e de poeta. Do primeiro lugar profissional passou um largo período como professor de Língua e Literatura Portuguesa em Madrid, na Espanha. Do lado segundo, publica os seus primeiros títulos sem muito sucessos: Aquele grande rio Eufrates, o primeiro, de 1961 e O problema da habitação, de 1962. Na senda da poesia, a tal coletânea de ensaios sai sete anos depois do segundo título.

Os primeiros títulos de poesia, entretanto, deixaram seu rastro na produção literária do seu tempo: marcadamente pela inspiração do versículo bíblico, forma que Belo irá aperfeiçoar nas obras subsequentes, de forte veio filosófico, incorporando aí, muitos dos gestos discursivos onde esteve envolvido durante largo tempo, tudo, enfim, contribuirá para o levante de seu universo literário. A poesia de Ruy Belo é desde então designada como uma forma capaz de sedimentar determinadas particularidades de sua própria existência em consonância com os modos de ser e estar do homem no mundo. tem um caráter eminente dramático e um sentimento trágico sobre a vida, estando no limite entre o efêmero e eterno, como temário para o amor e a morte, o tempo e o espaço onde está o eu-lírico, notadamente à superfície e a profundidade das coisas.



Por muito curto tempo trabalhou como diretor-adjunto no então Ministério da Educação Nacional e candidatou-se, por oposição ao regime da época, a deputado. O trânsito pelo campo político rendeu-lhe apenas a censura e vigilância por parte governo. Depois de recusar o cargo de professor na Faculdade de Letras de Lisboa, foi ser diretor editorial da Aster e igualmente chefe de redação da revista Rumo.

Publicou ainda Boca bilíngue, Homem de palavra(s), Transporte no tempo, País possível, A margem da alegria, Toda a terra e Despeço-me da terra da alegria, livro publicado no ano de sua morte. Deixou traduzida obras de Antoine de Saint-Exupéry, Montesquieu, Jorge Luis Borges e Federico García Lorca.  Em 1981, Portugal teve o privilégio de receber uma reedição de sua obra reunida poética. Essa publicação antológica terá dado o passo mais firme para a consagração de sua obra como uma das mais importantes da poesia portuguesa contemporânea. 

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A publicação – até agora acordada de pelo menos nove títulos – da obra de Ruy Belo no Brasil vem num momento oportuno por duas razões: uma delas tem a ver como boom literário que a literatura portuguesa vem tendo nos últimos anos por aqui e o segundo a necessidade de sempre trazer à cena novas atmosferas, no instante em que a nossa, não tem andado assim tão bem das pernas. A obra é organizada pelo professor e pesquisador da obra de Ruy e também autor de um livro sobre sua obra – Feliz lugar: a poesia de Ruy Belo – Manoel Ricardo de Lima e é editada pela 7Letras. Os três títulos já publicados são Aquele rio Eufrates, Boca bilíngue e O problema da habitação.

A seguir editamos um pequeno catálogo com poemas e imagens de Ruy Belo.



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