Amor, Michael Haneke

Por Pedro Fernandes



Precisamos esperar a premiação do Oscar para que Amor chegasse às telas do cinema brasileiro. Menos mal; há muito deles que por aqui nem passam. E se este filme não tivesse vindo às grandes telas seria uma grande perda para os olhos dos que estão enfadados da pirotecnia hollywoodiana. É um filme brilhante. E mesmo não tendo assistido a atuação de Jessica Chastain em A hora mais escura e nem a de Quvenzhané Wallis em Indomável sonhadora é possível afirmar com clareza uma coisa: a Academia cometeu a maior gafe. Mais que aquela de ter feito cara feia para a produção de Ben Affleck e depois ter tapado o desconcerto com o prêmio de Melhor Filme. Foi ter dado o prêmio de Atriz para Jennifer Lawrence de O lado bom da vida – ainda que a produção preencha o quesito de bem feitinha porque tem um enredo bem construído (redondinho, como é comum dizer). Mas, o prêmio era para atriz e, desculpem, Lawrence ainda deve andar muito para conseguir esse status.

É porque a atuação de Emmanuelle Riva é única. Basta que se diga que nada sustenta mais esse trabalho de Haneke que a atuação dos dois atores. A trama leva o casal do princípio ao fim do filme e mesmo sendo a narrativa algo também excepcional ela não resistiria se fosse posto como personagens atores que não tivessem o nível de expressividade que dois tem.

Amor recupera o bom da produção europeia. Não há nada mirabolante. É um drama enxuto: um casal depois de tantos anos juntos dão com uma situação que talvez nunca tenham pensado passar. Não se trata de nenhum caso de infidelidade que venha por à prova a o limite do amor que une os dois; o caso é mais grave: é um problema de saúde que atinge a mulher e vai, na medida em que se passa o tempo apenas piorando e pondo em prova a dimensão do amor. Notem bem: há uma linha tênue entre limite e dimensão. O primeiro diz respeito à ligação entre dois polos enquanto o segundo tem um descentramento e ocupa um lugar conjunto a envolver as pessoas da situação.

A forma como tudo é dirigido é demais impactante. E tenho dúvidas de que nas telas chegue, em 2013, outro trabalho que venha superar este. Amor é um filme leve e, simultaneamente pesado a ponto de chegar a ser violento. E se coloca em teste a dimensão do amor, é também uma narrativa sobre o fim, revirando a ideia de que “o para sempre, sempre acaba”. Nesse percurso, é ainda uma narrativa acerca da própria vida, da existência humana e o limite que todos – sem exceção – podem estar condenados. Esmiúça o outro lado da beleza do amor. Não há nele só o belo ou leveza da juventude, com os momentos de boas risadas e bons programas juntos; há nele sofrimento. E uma exigência de doação de uma parte nossa para o outro porque afinal parece mesmo que só para isso existimos: servir ao outro. Ou haverá algum sentido para além disso na vida?

A dupla face do amor está aí bem explorada. Não tem nada de “viveram felizes para sempre” das simples histórias desgastadas no cinema – como o próprio O lado bom da vida. Também no destino nada está arrumado. Amor é um filme de surpresas; aquilo que o telespectador não está preparado para acontecer acontece. E está aí o seu lado impactante. Alguns críticos mais exaltados terão dito que tudo o que é preciso saber sobre o amor está neste filme. E é verdade: pelo menos aquilo que sempre nos esquecem de contar quando decidimos compartilhar uma vida com outra pessoa. Tudo está aí, sem fantasias.   


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