Clarice Lispector jornalista, novas incursões




Já é de conhecimento público que Clarice Lispector chegou a concluir seu curso de Direito na Faculdade Nacional de Direito, onde foi aprovada em 4º lugar em 1939; pela época, chegou a trabalhar como secretária num escritório de advocacia, mas exercer a profissão, de fato, isso Clarice nunca fez. Além de trabalhos de assessoria em traduções, os tempos de faculdade foram sustentados à base do jornalismo. Em 1940, por exemplo, ela ingressou no Departamento de Imprensa e Propaganda para exercer, em princípio, a função de tradutora, mas findou sendo redatora da Agência Nacional. Foi neste mesmo ano, que ela aparece pela primeira vez como entrevistadora: uma conversa com o escritor Tasso da Silveira publicada na Vamos Lêr! de 19 de dezembro.

No ano seguinte, no número de estreia da revista A Época, uma edição mantida pela faculdade onde estudava, Clarice tem publicado um artigo de opinião “Observações sobre o direito de punir”, texto em que a crítica já assinalou com forte influência do Dostoiévski, autor que a escritor lia pela época e que terá sido um dos que mais a impressionara. Neste ano, já estava trabalhando para o jornal A noite, com dupla função, a de tradutora e a de repórter. Foi neste jornal que são publicados alguns contos seus e anos depois, 1943, sairia da tipografia do jornal o seu primeiro romance, Perto do coração selvagem.

Ainda em 1941, é publicada sua primeira reportagem, “Onde se ensinará a ser feliz”, no Diário do Povo, de Campinas, São Paulo, em que relata a visita da primeira-dama da República, Darcy Vargas, a um orfanato feminino. Mas é mesmo no A noite que Clarice Lispector obtém o seu registro profissional como jornalista; profissão que ela exerceria até dois meses antes de falecer, com o hiato forçado pelo período em que viveu no exterior como esposa do diplomata Maury Gurgel Valente. Por longa data, Clarice integrou o grupo de jornalistas que tinham na capacidade de escrita o gesto maior para ser da profissão; isso porque o primeiro curso de jornalismo no Brasil só seria criado em 1947, com a fundação da Faculdade Cásper Líbero.

Entre os anos 1950 e 1960, Clarice escreveu, sob os pseudônimos de Teresa Quadros, Helen Palmer e como ghost-writer da atriz e modelo Ilka Soares, respectivamente, para os jornais ComícioCorreio da manhã e Diário da noite. A Helen Palmer, por exemplo, era uma colunista que passa a assinar, a partir de agosto de 1959, um espaço no Correio da manhã chamado de “Correio feminino – feira de utilidades”; era uma colaboração patrocinada pela indústria de cosméticos Pond’s, que queria passar às leitoras do jornal mensagens publicitárias subliminares. A missão de Clarice era sem mencionar a marca, fazer com que o público associasse conselhos de beleza ali apresentados aos produtos que a empresa anunciaria. Estes textos já são conhecidos dos leitores pelas publicações organizadas por Aparecida Maria Nunes em Correio Feminino e Só para mulheres.

Além disso, Clarice atuou, na mesma época que Carlos Drummond de Andrade, como colaboradora no Jornal do Brasil, assinando uma crônica semanal aos sábados entre agosto de 1967 e dezembro de 1973. Estes textos seriam reunidos em 1984, numa coletânea, A descoberta do mundo, sob organização de seu filho, Paulo Gurgel Valente.

E, em paralelo a essas atividades, a partir de 1968, ela se apresenta como entrevistadora na revista Manchete, numa coluna “Diálogos possíveis com Clarice”. Aí foram entrevistados, a cada semana, vários nomes que eram de admiração da escritora ou que vinham de seu círculo de amizades e grande parte deles ela recebia na sua própria casa. É desse período que sai entrevistas com Tom Jobim, Chico Buarque, Jacques Klein, Djanira, Grauben, Bibi Ferreira, Tônia Carrero, Jorge Amado, Pablo Neruda, Erico Verissimo, Fernando Sabino e outros. Várias dessas entrevistas além de serem publicadas na Manchete também eram publicados na sua coluna no Jornal do Brasil. Foi também como entrevistadora que, depois da Manchete, ela foi para a revista Fatos & Fotos, onde se publicou sua última contribuição em outubro de 1977, menos de três meses antes de sua morte, ocorrida em dezembro do mesmo ano. Ainda nesse último ano colaborou com o jornal Última Hora, onde publicou crônicas. Dois livros editados pela Rocco trouxeram as entrevistas feitas por Clarice, De corpo inteiro e Entrevistas.

Ao todo foram mais de cinco mil textos publicados nos jornais e revistas por onde passou. Agora, em 2012, integrando a série “Clarice na cabeceira” a pesquisadora Aparecida Maria Nunes reúne numa coletânea textos essenciais da extensa correspondência que a escritora manteve com a imprensa, entre eles algumas inéditas, que visa fazer um panorama da sua participação no jornalismo brasileiro. É esta uma das novidades que se prepara para o próximo dia 10 de dezembro, data de aniversário da escritora.



A "Hora de Clarice" 2012

E é por esta data que vem a segunda edição de uma ideia posta na prática no ano passado com a realização de várias atividades Brasil afora: a Hora de Clarice. Ao modo do que já foi oficializado com o 31 de outubro, o Dia D, o Dia de Drummond, Hora de Clarice reúne uma série de atividades em torno da obra da escritora, como palestras, debates, oficinas, leituras de textos. Este ano, a programação ainda não foi oficialmente divulgada, mas já foi posto on-line no Facebook uma fan page (aqui) que dará contas de todos os preparativos e do que acontecerá pela ocasião.



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