Transamérica, de Duncan Tucker


Por Pedro Fernandes



É longa a lista de filmes que já se dedicaram a relação entre pais e filhos. Transamérica não é para ser considerado mais um por duas razões: primeiro, talvez não seja esse o real tema nele explorado, entretanto, a forma como o tema é abordado e as personagens envolvidas no caso, e aqui reside a segunda razão, dão forma nova para a questão. 

O longa de 2005 é uma produção independente do diretor e roteirista Duncan Tucker. É também seu trabalho de estréia. Trata-se de um filme simples, mas com um enredo impecável. Estão em cena apenas dois protagonistas: o transexual Sabrina Bree e um filho seu, descoberto às vésperas dela fazer sua cirurgia de mudança de sexo. É essa descoberta que fará Bree buscá-lo no reformatório em que se encontra preso, em Nova Iorque. 

Seu intuito é se livrar do filho: entregá-lo à avó e ao pai adotivo sem que ele sequer suspeite de que Bree é, na verdade, Stanley Osbourne, seu verdadeiro pai. O desejo de Toby, é esse o nome do filho em questão, é ir para Los Angeles trabalhar como ator pornô dando sequência ao seu modo de sobrevivência como garoto de programa. Para demovê-lo dessa ideia, Bree encara a personagem de uma dedicada senhora religiosa dessas tantas conversões que há por aí e põe-se na estrada numa viagem que irá, em definitivo, tomar rumos completamente diferentes dos planejado pela transexual.

Ao conseguir enganar Toby e entregá-lo para sua avó e padrasto, Bree descobre que seu filho viveu o lado dos excessos familiares e por isso fugiu de casa: de um lado está a avó excessivamente caridosa e que trata Toby como bebê, do outro, está o padrasto que, desde pequeno, o abusava sexualmente. Daí a decisão de levá-lo para morar consigo. É às vésperas de chegar em casa que Bree resolve visitar seus pais e dessa visita que vai se conduzir o desfecho do filme. 

Nesse itinerário, Transamérica toca em assuntos que os americanos certamente não tratam no sofá da sala tais sejam o falso puritanismo – posto em choque na relação ora formada entre o transexual conservador e o filho prostituto e mal educado –, ou preconceito – posto em questão em vários momentos do filme, mas principalmente na relação conturbada de Bree com a mãe, já que seu pai é mero submisso às situações e sua irmã uma solteirona sócia dos Alcoólicos Anônimos. 

E não apenas isso, o filme também não deixa de tirar a casca do colonialismo americano e sua intolerância maior – a que levou a dizimação dos povos indígenas. Ou ainda, da extensa e conturbada relação entre credos religiosos e suas concepções acerca da natureza humana. Isto é, se Transamérica é um filme sobre o atual esfacelamento da família é também um filme sobre o estrangulamento de uma nação em detrimento de outra. A película se firma ainda e talvez muito mais como um questionador dos estereótipos construídos social e culturalmente e suas influências em nossas percepções e reações acerca de alguém ou alguma situação. 

Destaco aqui os supostos opostos: o fato do transexualismo e o fato de o transexual ser pai. Também está em discussão o entendimento das várias diferenças entre as pessoas. E irônico ou não é que essa percepção do diferente não vem pela via da pessoa comum e nem do conservadorismo, mas pela via do da margem – no filme, primeiro pelo adolescente Toby, que diferente de Bree, que quer esconder do filho seu caso e o das pessoas com quem vai se encontrando no correr da viagem por entendê-los com feridas à moral do adolescente, entende como seres normais; e depois pelo transexual, que ao aceitar em definitivo sua feminilidade, consegue rever o filho do enorme imbróglio criado por uma omissão.

Por fim, Transamérica é sim um filme sobre a tolerância. Tolerância para com as diferenças cada vez mais à frente dos papéis tradicionais. Transamérica se firma, conforme já foi dito pela crítica, como um apelo à profunda necessidade que temos de sermos vistos como sujeitos autênticos.

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