Chema Madoz, esvaziamento e reapropriação poética


Por Pedro Fernandes




O contato com a obra de Chema Madoz se deu ao acaso. O fotógrafo, um dos mais respeitados nomes em Espanha e com trabalhos editados e expostos em meio mundo, ainda é novidade a muitos olhares brasileiros. Eu, nunca fui entendedor de fotografia, mas os trabalhos de Chema me fizeram sair à cata de trabalhos de outros fotógrafos. Encontrei-me virtualmente com muitos que espero ter a chance de publicá-los em trabalhos posteriores que eu venha editar.

Agora, voltando ao contato primitivo com a obra de Chema. Ele se deu quando eu estava à cata de imagens que pudesse ilustrar o conjunto de dois ensaios que saem agora na 3.ª edição do caderno-revista 7faces. Depois da primeira fotografia, dei com uma quantidade de imagens que, dialogavam, plenamente com aquilo que discutia os dois ensaios em questão. A única atitude que tive foi a de, usando meu portunhol, entrar em contato com o fotógrafo espanhol a fim de pedir o uso de pelo menos dez dos seus trabalhos. E, prontamente, fui atendido. E depois de breve troca de curtos e-mails, Chema me permitiu o uso das imagens. Ao todo são dez, que abrem e fecham esta edição.

A fotografia de Chema Madoz obedece a um padrão único e adquire um status que beira a dois estágios – o da perfeição e o do poético. Sua técnica consiste em deslocar objetos do seu contexto de origem e, usando de algumas operações estéticas, ressignificá-los. Traço de natureza surrealista. Com isso, Madoz, esvazia-os do sentido comum e insere no objeto um conjunto de significações recuperadas aos olhos do expectador pela retina da história e da memória. Estão ao seu serviço, além da manipulação da imagem, a transposição dela para outro contexto. Quer ele dizer, contar, no mínimo duas coisas: primeiro, a restituição do valor do objeto, seria a visão mais superficial que tiraríamos daí. O abandono do objeto é, em si, já uma destituição, que perde tais contornos à medida que levado para outro meio. Nesse meio, ele é novamente destituído pela intervenção plástica operada pelo fotógrafo e ganha enfim uma restituição de um sentido que é o mesmo e outro simultaneamente.

Segundo, e esta parece ser a mais adequada interpretação, porque diz respeito ao significado obtido com o produto final, é a apresentação da ideia de que a história do mundo está contida nas pequenas coisas. Nas mais insignificantes talvez. Basta que o nosso olhar seja invertido para outro ângulo. E aqui reside o caráter poético desse estágio. Ao instaurar um olhar outro para comum, Madoz recupera o status de encimesmar-se do poeta. A surpresa para o sutil, para o detalhe do corriqueiro, é onde reside o estágio da poesia. Estou dizendo isso e pensando nos famosos versos de Carlos Drummond de Andrade – “tinha uma pedra no meio caminho / no meio do caminho tinha uma pedra” – em que a poesia se instaura no impasse, na pedra como obstrução. Da pedra insignificante ao elemento de importância que ela ocupa ao olho do poeta. 

Ao transpor os objetos de um universo a outro, Madoz ergue para si um mundo todo de metáfora e por que não alegórico. Os objetos assim deslocados adquirem uma imagem que não quer dizer necessariamente aquilo que a superfície dela mostra, mas quer dizer outra coisa. Tem aí também nesse impasse de sentidos, uma percepção crítica do espaço no qual ele se inscreve. Digo isso porque das fotos em que vi a presença do corpo humano, ele se apresenta em partes, e destituído da forma corpórea: objetificado. E aí, claramente, o fotógrafo espanhol inscreve o corpo como objeto, destituído de ânima, como parecem os sujeitos contemporâneos, numa clara crítica ao individualismo e à exposição exagerada do corpo.

É evidente, que por tudo isso, o trabalho de Chema Madoz é de uma grandeza única e carece de uma análise mais acurada, coisa que esse curto espaço aqui não permite. Fiquemos, então com as observações primitivas minhas e o leitor tire suas conclusões diante do trabalho do fotógrafo que vem nas páginas da nova edição do caderno-revista 7faces.

***

No Canal Letras in.verso e re.verso no YouTube é possível ver um vídeo de apresentação de Chema Madoz. Nele, o fotógrafo espanhol fala sobre seu trabalho, o sentido do seu trabalho e sobre a vida. Vale a pena assistir.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boletim Letras 360º #579

Boletim Letras 360º #573

A bíblia, Péter Nádas

Boletim Letras 360º #574

Boletim Letras 360º #576

Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima