O leitor, de Stephen Daldry

Por Pedro Fernandes




A lista de filmes que toma a Segunda Guerra Mundial, esse que foi, sem dúvidas, o confronto que pôs a humanidade à beira da própria destruição, é enorme. Poucos são os que conseguem extrair do horror sua essência sem cair no barbarismo. Um desses poucos chama-se O leitor. Durante o mestrado - quando vi este filme - indiquei a muitos dos meus colegas. Foi este um filme que, como O jardineiro fiel ou O segredo de Brokeback Mountain, me causo pane nos nervos e me levou a ficar pensativo no outro lado da espécie humana por longos dias. Catarse, se é que se pode assim falar, daquelas. 

O leitor toca no cartão-postal da Segunda Guerra: os homicídios em massa cometidos na Alemanha de Hitler. Inspirado no romance homônimo, de Bernhard Schlink, o enredo do filme começa numa Alemanha em reconstrução do pós-guerra. Como personagem central somos apresentados a Michael Berg, um adolescente de 15 anos que no caminho para casa passa mal e é ajudado por uma mulher, vivida aqui por aquela atriz de Titanic, Katte Winslett.

Quando recuperado, Michael volta à casa dela para agradecer pelos cuidados. Está lançada a pedra fundamental para um amor adolescente por uma mulher madura. O romance dura todo o verão, à base das mentiras inventadas pelo adolescente à família. O amálgama que os une é algo que está para além da atração sexual. Hana, é esse o nome da personagem de Winslett, lhe pede que sempre, antes das transas, ele leia para ela.

Se a princípio o telespectador fica surpreso com a rapidez com que se desenvolve o romance entre os dois, surpresa terá quando, sem avisar, Hana desaparece. Esse sumiço sem pistas levará a personagem masculina a um período de latência e amadurecimento, até toparmos com Michael já estudante de direito. E é como estudante que Michael terá de acompanhar, como atividade prática do curso, o processo de ex-oficiais do exército de Hitler que estão sendo julgadas pela morde de um grupo de prisioneiras judias. É nesse instante que Michael reencontrará com o amor daquele verão: Hana é uma das acusadas no processo em questão.

O fato é que condenada, isoladamente, pelo massacre, Hana será condenada a uma pena gigantesca que levará boa dos seus anos de vida. É aqui que, movido pela culpa ou pela incapacidade de não conseguir intervir no caso e livrar a pele de Hana da prisão que Michael põe a gravar em cassetes obras da literatura que são, periodicamente, enviadas a ela na prisão. Esse contato por através da leitura é de uma emoção aterradora, até o seu trágico desfecho.

Para além de recuperar uma dimensão "prática" para a literatura, esse filme toca em questões pouco amigáveis, como essa ideia de culpabilizar uma pessoa ou um determinado grupo por um conjunto de atrocidades coletivas. O filme é de uma riqueza fotográfica perfeita e um enredo surpreendente, capaz de levar o telespectador por linhas cada vez mais diferentes a cada vez que está a se fechar determinado ciclo narrativo.


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