Novamente, a escrita

Por Pedro Fernandes

"Mulher escrevendo uma carta". Frans van Mieris


Já dizia o saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade que a luta com palavras é coisa vã. E é. Surgida com o pretexto de traduzir e organizar a fala, o processo da escrita configura-se como um processo doloroso, dramático, infinito, solitário. Doloroso e dramático porque sempre que nos deparamos com um tema para desenvolvermos um texto qualquer, oscilamos e, não são poucas as vezes que até desistimos pelo simples fato de não conseguirmos colocar/expor no papel aquilo que poderia ser nossa fala, nossa opinião. E não apenas isso.

Articular ideias e signos é mais complicado do que possa parecer ao mais entendido de fluxos verbais e gramaticais. Agora, infinito é tal processo porque, quando retomamos um texto nosso qualquer subtraímos ou adicionamos ideias. Encontramos absurdos. Coisas que supostamente não diríamos ontem se tivéssemos os olhos de hoje. E solitário porque para produzir temos, na maioria das vezes, de nos subtrairmos do mundo para travar uma batalha que se dá entre nós e uma avalanche ou seca de signos.

A escrita é objeto de lapidação constante. As palavras e sobretudo seu sentido estão, a todo momento, em deslize. São bolhas de sabão que estouram no ar. A escrita é portanto uma luta com fantasmas ou moinhos de vento para reiterar a ideia do Quixote. É também uma aventura. Uma das mais extensivas da humanidade. É dada por sebes escuras, envolve veredas e caminhos dada a largueza por vezes e por outras a estreiteza. Mas é graças a esses devaneios, luta e aventuras que a humanidade consegue, por através da escrita, reunir os atavios de sua própria história. Sendo a um só tempo a emoção e a história impressa para gerações outras, a escrita é portadora do tempo e do poder.

Logo, deparar-se com o texto, quando lido por outras pessoas, varrido de ponta a ponta por notas e mais notas acerca daquilo que escrevemos não é nenhum monstro que não possamos contorná-lo e possamos ainda tentar dar uma ordem. Ninguém - inclusive quem nos leu e nos rabiscou o texto de ponta a ponta - não tem o domínio sobre as palavras.

E o exercício desse leitor confunde-se com o próprio exercício do escritor - é o de dar volteios e mais volteios a fim de introduzir uma clarividência palpável ao texto. Grande ilusão! As leituras não existem para ser acessíveis a todos. Ainda não descobrimos um código que possamos nos comunicar sem nenhuma margem de erro quanto ao sentido ou as veias de interpretação que queremos dar a escrita. Se as palavras denotam certa submissão a nós humanos tomemos cuidado. Cada uma possui várias faces. Secretas, para firmar o pensamento de Carlos Drummond.


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