Duas obras fundamentais de Albert Camus

Por Pedro Fernandes



1. Ontem, 04 de janeiro de 2010, fez 50 anos que morreu o escritor e filósofo Albert Camus. É possível que pelas letras brasileiras tenha a figura passado praticamente despercebida, apesar de algumas iniciativas estarem em curso para a celebração de seu centenário. Mas, em terras francesas, mesmo numa data sobre a qual não deve figurar comemoração alguma, o escritor é bastante lembrado como se os seus leitores ou admiradores o mantivessem mais vivo do que nunca.

2. Como escreve José Mário Silva no blog Bibliotecário de Babel, contemporaneamente, a obra de Albert Camus "tem servido de mote quer a intelectuais de todos os quadrantes, quer aos oportunismos retóricos de Sarkozy".

3. No ano do cinquentenário sobre sua morte, Grégoire Leménager, da Nouvel Obs (uma revista que dedica na edição desta semana um dossiê sobre a obra do escritor nascido na Argélia), afirma que Camus (e sua obra) já "conhece uma apoteose que, para um escritor, vale todos os panteões do mundo", e essa data tem lhe servido para fazer com que sua literatura reinvada as livrarias e seja discutida, levada à cena, homenageada, citada.

4. Terá sido o Prêmio Nobel de Literatura em 1957 o que lhe deu essa projeção toda? Não. Prêmio algum é capaz de fazer manter a eternidade de um nome. Isso é tarefa de uma obra inovadora. E ao redor do mundo, o nome de Albert Camus é conhecido, desde sempre, pelos romances O estrangeiro e A peste, as duas obras sobre as quais deixamos, nas duas notas seguintes, uma breve sinopse como indicação necessária a uma introdução sobre o pensamento e a literatura do escritor.

5. O romance O estrangeiro foi publicado em 1942 e, desde então, tornou-se uma marca sobre Camus: é, até o momento sua obra mais traduzida - está em mais de quarenta línguas diferentes; em 1967, foi adaptado para o cinema por Luchino Visconti. É um romance que integra o que a crítica comumente tem chamado de círculo do absurdo, ao qual pertencem O mito de Sísifo (um ensaio) e Calígula (uma peça de teatro). Narrado em primeira pessoa, o romance é o relato de Mersault, um homem que cometeu um assassinato e está em julgamento pelo crime; designado como "o homem sem remorsos" a acusação que lhe se pesa se sustenta, entre outros fatos, pela incapacidade de se comover no funeral da própria mãe, o ponto de partida da narrativa. Para a portuguesa Rita Pimenta, Mersault "é um verdadeiro estrangeiro em qualquer organização social ou familiar"; do homicídio que cometeu sem razão aparente, "não tem justificação para o crime nem para o resto. Nada do faz é para ser explicado."

6. A segunda obra, A peste, veio a lume cinco anos depois de O estrangeiro. Roland Barthes compreende que este não é um romance, mas uma crônica e poderia ter sido uma tragédia. Com a narrativa situada na cidade de Oran, bem apresentada pelo narrador, até se dedicar a explorar uma epidemia, "sem causas e sem consequências"; os habitantes de Oran são isolados depois da chegada da peste; todos morrem e a peste se afasta. Nesse interstício, Camus quer, como nos contos antigos, propor uma moral para os seus leitores, embora não proponha nenhuma explicação ao tempo escuso a que se refere. Concordamos com Barthes quando diz que "o que é peculiar à História é a organização do desvelamento progressivo dos fatos em função de um epicentro exterior à crise em si mesma, substituindo-se dessa maneira a ideia de estrutura à ideia de tempo"; isto é, A peste é, não somente uma crônica, mas uma parábola acerca do desfazimento da comunidade humana.


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