Antologias

Por Pedro Fernandes



É sabido que Portugal é o país das antologias, individuais, mas, principalmente coletivas. Apesar de toda modernidade, ainda não é fora de moda falar que, apesar das facilidades de publicação, ainda é difícil dar o primeiro passo no mercado editorial, principalmente, quando nos derribamos para o terreno do financeiro. Mais caro que auto-publicar-se é fazer um nome por conta própria, isto é, transformar o exercício da escrita numa carreira, em algo sustentável por ela própria.

Os dados não negam: apesar de termos evoluído sobre o trabalho de escritor, ainda são pouquíssimos os escritores que realmente vivem daquilo que escrevem. A coisa só parece se inverter quando o acaso bate-lhe à porta (não sem custa de muito esforço e empurrões de gente metida nos fechados meios editorais) e se o escritor se debandar para a literatura fast-food. Uma carreira de escritor é, portanto, um exercício contínuo de sofrimentos, pensarão uns, e não deixarão de estar com toda razão.

Agora, as antologias coletivas são, portanto, a forma mais viável de promoção de um nome e de galgar o tal espaço; que o diga, por exemplo, as disputadas edições da revista britânica Granta. Criada desde 1889, já dispõe de uma longa vivência com a escrita, mas, terá sido, o esforço dos que primeiro se lançaram na ideia o que fez a marca reconhecida de hoje e, claro, foi das suas várias antologias que saíram (ou passaram a ser reconhecidos) vários dos nomes da literatura.

As vantagens da antologias são muitas: o baixo custo de investimento, a possibilidade de figurar entre nomes melhor conceituados do seu meio, e, claro, a divulgação, feita não apenas por uma pessoa, mas pelo conjunto dos escritores envolvidos na ideia mais o grupo editorial de organização e publicação da antologia. Tem vez aqui a famosa fórmula da ajuda faz a força.

Também é perceptível que as antologias tiveram uma maior vivência nos tempos mais remotos; aqueles em que ser escritor implicava, necessariamente, pertencer ao grupo de intelectuais mais cotados e respeitados, principalmente se esse grupo era um fomentador de ideias capazes de introduzir novas tour de force no vão do trabalho literário. Foi assim com os casos mais substanciais do Modernismo (referindo-nos à nossa realidade); basta que o leitor olhe para a quantidade de revistas que fizeram o movimento e terá suas conclusões.

Desde então, com a fragmentação dos grupos, e a transformação do escritor numa entidade isolada do mundo e a criação de uma série de intermediários burocráticos, tais como as figuras do agente literário ou do agente de imprensa, unir-se em prol de uma ideia decente e duradoura (e nem as do Modernismo foram duradouras assim) se tornou coisa rara.

E, aqui no Brasil, país sempre apoiado numa cultura inútil de trabalho fechado porque o outro pode surrupiar a ideia original e chamá-la de sua mais tarde, terá contribuído, nessa competição de cavalos cegos, para, primeiro, a prevalência de certos núcleos já donos do pedaço e ditador das regras de mercado das letras, segundo, uma pobreza de criação sem limites, porque o trabalho isolado é sinônimo de apagamento da visão crítica do outro sobre aquilo que escrevo.

Isto é, talvez mais do que se organizar coletivamente em torno da construção de um nome, o que mais se perde nessa dispersão é a formação de um público tão importante quanto o que escreve:o público leitor. Não o leitor comum que vai à livraria e consome o produto final; mas o leitor crítico, aquele capaz de opinar sobre sua escrita e lapidar seu exercício literário. Mas há os editores, exclamarão uns. Sim, há os editores, mas estes, mais interessados em fazer um escritor estão interessados em saber se o nome diante do qual ele se encontra será rentável ou não para sua editora.

Tudo isso para dizer que a antologia, se já não dispunha do prestígio devido, passou a figurar como o livro produzido para estante dos sebos; ao menos é o que tenho notado nas muitas que encontro abandonadas na poeira de alguns desses lugares que vez ou outra gosto de visitar. Só tenho a dizer sobre isso tudo, que é uma pena. Não construímos o tal espírito de coletividade e, agora, num tempo de dispersões parece que esse tal espírito está cada vez mais algures. Não herdamos essa coletividade necessária para acompanharmos a boa mania portuguesa.

O motivo para a constatação e para desabafo (tome essa nota mesmo como desabafo) está para além dessa reflexão sobre o valor dos grupos de escrita e do abandono das antologias nas poeiras dos sebos: é que acabo de ter de redigir uma nota publicada a pouco no blog do jornal Trabuco sobre a necessidade de abortar um plano muito singelo que junto à pequena equipe da qual faço parte, pensávamos poder levar adiante com o entusiasmo com que vínhamos desenhando a proposta. Se chamaria Sarau, em alusão a uma coluna que publica poesia no referido jornalzinho e tinha o interesse de reunir poéticas diversas de estudantes de Letras de parte vária do Brasil. Mesmo um país de dimensão continental como o nosso, as possibilidades disso se tornar realidade ficaram mais à favor pelo encurtamento das distâncias de comunicação.

Também, é fato que a ideia foi gestada pelo grupo a que pertenço, e, nesse ínterim, o Trabuco passa para as mãos de outra equipe, de outro grupo de estudantes de Letras, mas pelo aborto da ideia, só tenho muito a lamentar; não por falha nossa, mas pela incapacidade de outros de conseguir manter por mínima que seja a ideia de coletividade num trabalho dessa natureza. O mais grave é que este projeto sequer passou às poeiras dos sebos. Isso ainda não é decepção, mas a constatação triste de que, aos poucos, a modernidade tem conseguido fazer o que sempre quis, individualizarmos, a ponto de deixar os poetas ainda mais escusos, mas calados no seu canto, num canto qualquer da realidade.


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