O privado, o público e o trabalhador

Por Pedro Fernandes

Angeli


Todos os textos ou pelo menos a maioria deles certamente têm algum motivo pelo qual são escritos. Evidente que, dificilmente, o autor apresenta tal e tal motivo ao seu leitor. Acho que isso é mais frequente nos textos acadêmicos, pelo fato de pedirem uma justificativa para a idéia apresentada.

Tudo isso é para introduzir a exposição a que se presta este texto. Para tanto, começarei expondo o motivo que me leva a produzi-lo. Outro dia conversava com um amigo acerca de concurso público para prefeituras do interior do Estado, quando ele me sai com uma afirmativa de que jamais faria concurso para qualquer cidade que não pertencesse à zona metropolitana. E eu insisti que, hoje, pela estabilidade, as pessoas estão fazendo de tudo, inclusive se deslocar de seus lugares preferidos para lugares ermos. Depois disso, ele me rebate que isso era sensacionalismo. E emendou que o melhor é trabalhar no setor privado porque lá estão as melhores oportunidades de crescimento e os melhores cargos. Isso é o fim, pensei. Isso, o leitor experiente já deve ter sacado, é o motivo pelo qual produzo este texto.

Não me é permitido concordar com o entendimento dele. Suas afirmativas não fazem sentido numa época de crise econômica mundial, que ninguém ainda sabe onde está o erro, se sabem o mantém escondido, em que empresas no mundo inteiro estão indo à falência e seus empresários, para não perderem seus lucros, se põem às demissões em massa de funcionários. Perguntei a ele, que garantias essas empresas oferecem a esses trabalhadores. Muitos deles estão mesmo indo mendigar nas ruas. No Japão já há desabrigados que ao perder o emprego perderam tudo o que tinham. E ele vem-me falar que é no setor privado onde estão as melhores oportunidades de crescimento. Só se for para os empresários. Que até estes, com a situação crítica em que o mercado financeiro se encontra, se vê a mercê dos banqueiros, que se sentem (e são de fato, hoje) os donos do dinheiro, já que são eles a quem os países no mundo inteiro despejam diariamente toneladas de pacotes econômicos a fim de que ofertem crédito e restabeleça a ordem empresarial no mesmo ritmo de crescimento desenfreado que vinha apresentando nos anos anteriores - crescimento, aliás, que quem sabe não é maquiado pelos próprios bancos. Sim, há mais ficção nesse mundo que na literatura.

Pode crer, leitor, que ele veio me dizer que as demissões eram motivadas pelo falta de diferencial dos funcionários. Não é possível que centena, mil, milhões de pessoas que estão hoje sem salário não tivessem um só diferencial, como diz ele, para merecerem seus empregos. E outra, qual o funcionário que ao entrar numa empresa privada não dão o melhor de si, a fim de obter algum êxito? Não faz sentido. As empresas pensam no lucro. As empresas são sanguessugas que sugam a força bruta humana para fazer girar a roleta dos lucros – quando não lhes servem mais, ou quando apresentam perigo aos lucros, jogam fora. Prova disso são as inúmeras dificuldades que uma pessoa de 40 anos ou mais tem para se locar numa área de serviço, porque o tal setor privado acredita que essa pessoa não possui mais a força física necessária para seus lucros.

Não estou com isso querendo dizer que o setor privado não serve para nada. Reconheço sua importância para as engrenagens da economia, mas reconheço o desprezo com que tratam seus trabalhadores. Se não fosse a rigidez das leis trabalhistas ainda estaríamos muito provavelmente no mesmo regime do período da Revolução Industrial. Essa é verdade.

No mais, basta ver que é do Estado que as empresas, que demitem seus funcionários com alarmes de uma crise, mais necessitam na hora dos apertos. Nesse jogo, o trabalhador é o produto final de tudo. Sem patriotismos, porque não me refiro apenas ao Estado brasileiro, mas acho que ainda posso dar “vivas” ao setor público, que com todos os entraves, vem, ainda que a passos de tartaruga, ajustando-se lentamente ao entendimento de que os funcionários que põem isso tudo que aí está a girar são seres humanos e não robôs programados para produção desenfreada.

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